Prova Ilícita Por Derivação

Advinda da escola de direito norteamericana, provem da expressão em inglês “fruits of the poisonus tree”, que significa literalmente “árvore dos frutos envenenados”.

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Exprime a idéia de que o vício da plana se transmite a todos os seus frutos.

Assim, entende-se por prova ilícita por derivação aquela em que em si mesmo é lícita, mas foi produzida a partir de outra ilicitamente produzida. Exemplo claro, é o caso da delação obtida por meio de tortura e que depois origina uma decisão regularmente proferida de prisão preventiva do delatado, que vem a ser efetivamente preso, embora tal prisão seja lícita, como advêm de uma delação ilícita, acaba por envenenar-se com tal ilegal origem.

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Conforme anotado pelo Mestre Nestor TÁVORA & Rosmar Rodrigues de ALENCAR (2010, p. 353):

“A produção de prova ilícita pode ser de extrema prejudicialidade ao processo. Os efeitos da ilicitude podem transcender a prova viciada, contaminando todo o material dela decorrente. Em um juízo de causa e efeito, tudo que é originário de uma prova ilícita seria imprestável, devendo ser desentranhado dos autos.”

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Mas e no direito pátrio? No Brasil, no Colendo Supremo Tribunal Federal, a questão originou um debate caloroso.

Preludialmente, o STF, entendia pela admissibilidade das provas ilícitas por derivação, repelindo a teoria da árvore dos frutos envenenados.

Deu-se tal posição no julgamento do HC 69.912-0-RS, DJ, 26 de novembro de 1993, quando os Ministros Sepúlveda Pertence, Francisco Rezek, Ilmar Galvão, Marco Aurélio e Celso de Mello, posicionaram no sentido de inadmissibilidade das provas ilícitas por derivação. Em sentido contrário, os votos vencedores dos Ministros Carlos Velloso, Paulo Brossard, Sydney Sanches, Néri da Silveira, Moreira Alves e Luiz Gallotti.

Por seis votos à cinco, em tal julgamento o STF, firmou sua posição pela admissibilidade das provas ilícitas por derivação.

Entretanto, impende deslindar que em tal julgamento houve uma peculiaridade interessante, houve um incidente posterior do Ministro Néri da Silveira, o qual acabou por impedido pois seu filho havia atuado no processo na qualidade de membro do Ministério Público.

Como o Min. Néri da Silveira tinha votado pela inadmissibilidade, sem o seu voto restou empato aquele julgamento, sendo, destarte, concedida a ordem, eis que o empate favorece ao paciente.

Não obstante, o entendimento do STF estava firmado. Admitia-se as provas lícitas derivadas de provas ilícitas.

Referido entendimento permaneceu até a aposentadoria de Paulo Brossard, favorável a tese então vencedora. Com sua aposentadoria, permaneceu um período de indecisão, até o julgamento do HC 72.588/PB, em que o novo Ministro Maurício Corrêa atuou como relator e adotou a posição da inadmissibilidade das prova ilícitas por derivação. Firmando-se novo entendimento majoritário no país.

Tais ponderações podem ser vistas no informativo do STF, Brasília, 10 a 14 de junho de 1996, n. 35 apud CAPEZ (2010, p. 348).

Posteriormente, em 2008 com a edição da Lei n. 11.690/2008, que reformou o Código do Processo Penal, expressamente consagrou no direito pátrio a inadmissibilidade das provas ilícitas, inclusive as por derivação (CPP, art. 157).

Entretanto, a referida Lex trouxe certas limitações a teoria da árvore dos frutos envenenados, quais sejam: limitação da fonte independente; limitação da descoberta inevitável; e, para alguns, a limitação da contaminação expurgada ou conexão atenuada.

Vale lembrar que os doutrinadores ainda trazem outras teorias de limitações, contudo, não consagradas pela Lei n. 11.690/2008.

A limitação da fonte independente (independent source limitation), prevista no § 1º do art. 157 do Código de Processo Penal, impera a inadmissibilidade das provas ilícitas por derivação, “salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras”.

O dispositivo exprime que se existirem outras provas no processo independentes de uma determinada ilícita produzida, não caracteriza a contaminação, nem aplicação da derivação, haja vista não haver vinculação em relação de dependência.

O processo, portanto, poderá ser aproveitado se existirem outras provas, absolutamente independentes das ilícitas, não é porque foi declarada a nulidade de uma prova que importará na nulidade de todo o processo.

Tal limitação, não seria propriamente uma exceção aos efeitos da teoria dos frutos da árvore envenenada, e sim uma teoria coexistente, posto que aqui não há vinculo algum entre as provas.

A limitação da descoberta inevitável (inevitable discovery limitation), também disposta no § 1º do art. 157 do Código de Processo Penal, na passagem “quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeira”, por sua vez, impera o entendimento que se a prova licitamente produzida decorrente de uma ilícita seria produzida de qualquer maneira, por atos de investigações válidos e de praxe, ela será aproveitada, desinvenenando-a da ilegalidade.

A contaminação não é passada adiante se a prova lícita decorrente da ilícita seria colhida mesmo sem a existência daquela.

Visa impedir a contaminação de provas que inevitavelmente seriam produzidas com o decorrer regular das investigações.

Difere-se, portanto, da limitação da fonte independente porque naquela não há qualquer nexo entre a prova lícita e a ilícita, já na limitação da descoberta inevitável, esse nexo existe, embora não seja decisivo, posto que a prova derivada seria colhida mesmo sem a ilicitude, sendo apenas uma questão de tempo.

Assim sendo, sendo dependerá do caso concreto, devendo o magistrado e os operadores do direito em geral, sopesarem os elementos para averiguar se a prova insofismavelmente seria produzida de forma independente da ilicitude pré-produzida.

Já a limitação da contaminação expurgada ou conexão atenuada, propala a possibilidade que o nexo entre a prova ilícita e a derivada seja tão tênue ou superficial que acabe não havendo contaminação.

Nesta limitação, o vínculo existe, embora insólito e incapaz de transmitir a contaminação.

Tem o escopo de evitar a contaminação de uma prova derivada de outra ilícita, em que o vínculo embora existente, seja por demais superficial.

Vários doutrinadores, além de proferir pesadas críticas a esta limitação, ainda exprime o entendimento de sua não existência no ordenamento pátrio, posto que se o legislador a quisesse incluir, o teria feito com a reforma da Lei n. 11.690/08.

Nesse sentido os doutrinadores Nestor TÁVORA e Rosmar Rodrigues ALENCAR (2010, p. 357/358).

Registre-se que alguns doutrinadores, ainda, incluem no rol das limitações a boa-fé, pela qual visa-se evitar a contaminação da ilicitude no caso dos agentes policiais ou da persecução penal como um todo, tenham atuado sem dolo de infringir a lei, pautados apenas em situação de erro.

Confira a lição de Walter Nunes da SILVA JÚNIOR apud TÁVORA & ALENCAR (2010, p. 358):

“No sistema americano, ainda se afasta a aplicação das exclusionary rules tendo como suporte a boa-fé (good faith) dos agentes incumbidos de realizar atos investigatórios. Esse tema é extremamente delicado, visto que trata de situação em que o agente, em razão de erro de fato, finda malferindo, com o seu agir, um direito fundamental; todavia, em virtude de sua boa-fé, tem-se por afastada a ilegalidade.”

A melhor doutrina conclui que não pode, a boa fé, sozinha retirar a ilicitude da prova que foi produzida. Não é porque o agente contaminador da ilicitude agiu ilidido em erro, com plena boa fé, que irá salvaguardar e desinvenenar a prova ilícita.

Nestor Távora e Rosmar Rodrigues Alencar (2010, 358) citam apenas uma hipótese em que entendem pertinente a limitação do envenenamento da prova derivada pela boa-fé. Mencionam a hipótese em que os policiais acabam por encontrar elementos e circunstancias que permitem a prisão em flagrante do agente e, em virtude disso, apreendem os artefatos do crime.

Nessa hipótese os agentes policiais agiram com o apoio do art. 5º, inc. XI, da Constituição Federal, dispositivo que permite a violação domiciliar durante o dia e a noite para efetivação da prisão em flagrante.

Há ainda, outras teorias doutrinariamente debatidas, mas que na prática são mais difíceis de acontecerem.

Dentre elas, por exemplo, está a teoria do encontro fortuito de provas, a qual aponta a possibilidade de que a prova de determinada infração penal seja obtida a partir da busca regularmente autorizada para a investigação de outro crime.

As Leis n. 11.690/08 e n. 11.719/08 perderam boa oportunidade de regular tal matéria e sanar os embates doutrinários.

Em suma, sobre tal teoria, os doutrinadores acreditam que nenhuma criação teórica deve salvaguardar as atividades criminosas e, portanto, caso realize-se uma diligencia regularmente deferida e nos termos da lei, como já houve a violação a certo direito individual, se, no curso da diligência, colher-se elementos de outro delito, pode-se muito bem, utilizar-se tal prova.

Mas sempre dependendo do caso concreto.

Incluem, também, a prova emprestada.

Quanto a este tipo de prova em particular, os doutrinadores clássicos tendem em taxá-las de inadmissíveis pela afronta ao princípio maior do contraditório.

O que não se aplica à interceptação telefônica, a qual já tem-se admitida pela jurisprudência o seu translado para outros processos, inclusive para processos de natureza cível e administrativa.

É cediço que permite-se, em caso de morte de uma testemunha, a extração de cópia do inteiro teor de seu depoimento prestado em outro processo sobre os mesmos fatos, mas daí a sua juntada na nova ação penal e, sobretudo, a sua valoração, entendem ser inadmissível.

Por fim, vale desenredar que certos doutrinadores, ainda, incluem no rol das formas de exclusão da contaminação da prova ilícita as excludentes de ilicitude previstas no art. 23 do Código Penal e, ainda, o flagrante delito disposto no art. 301 do Código de Processo Penal.

Fontes:

CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. 17 ed. São Paulo : Saraiva, 2010.

OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal – 13 ed., rev. e atual. – Rio de Janeiro : Lumen Juris, 2010.

TÁVORA, N. & ALENCAR, R. R. Curso de Direito Processual Penal. 4ª ed. rev., ampl. e atua. Salvador, BA. Editora JusPodvm. 2010.