DIREITOS HUMANOS E A DEFESA DA INTEGRIDADE E DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

DIREITOS HUMANOS E A DEFESA DA INTEGRIDADE E DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

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Rangel Alves da Costa*

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Quando ocorrem fatos de repercussões na imprensa que tratam sobre a violência nas ações policiais, do uso da força na derrubada ou destruição de construções irregulares ou ainda sobre a precariedade no tratamento concedido aos presos nas delegacias e nos presídios, a primeira coisa que se ouve falar é que está havendo desrespeito aos direitos humanos. Por outro lado, não é raro se ouvir dizer que direitos humanos só defendem bandidos. Cria-se, assim, uma celeuma, opiniões ora positivas ora negativas acerca desse instituto constitucional de longa construção histórica, inibidor dos abusos e garantidor das prerrogativas do respeito à dignidade e à integridade física das pessoas. Mas o que seria, realmente, direitos humanos?

Os países de tradição democrática possuem legislações que, de forma abrangente ou não, definem os direitos básicos da pessoa humana. Contudo, uma legislação especial, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, ainda serve como arcabouço para todas as construções legislativas que envolvam o tema. Isto porque a Carta Universal, logo no seu primeiro “considerando”, dispõe que o “reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos gerais e inalienáveis constitui o fundamento da liberdade da justiça e da paz no mundo”. Com tal assertiva, enuncia o fundamento basilar dos direitos humanos: o reconhecimento e a valorização da dignidade da pessoa humana.

A Carta Magna brasileira de 1988 cuida da matéria em diversos dispositivos. Inicia afirmando que a República Federativa do Brasil constitui-se em Estado democrático de direito e tem como um de seus fundamentos a dignidade da pessoa humana (Art. 1º, III); a seguir, no caput do art. 5º, garante a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, bem como à integridade física: “ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante” (Art. 5º, III), “é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral” (Art. 5º, XLIX); preceitua que a União não intervirá nos Estados nem no Distrito Federal, exceto para assegurar a observância do princípio constitucional dos direitos da pessoa humana (Art. 34, VII, b).

Contudo, o elenco dos direitos humanos constitucionalmente previstos não se esgotam aí, pois os primeiros capítulos da Carta revestem-se de inúmeros direitos e garantias individuais que priorizam o respeito à pessoa e à sua personalidade, tanto o respeito à pessoa em si mesma, quanto na sua dignidade moral e na sua integridade física. Assim, estão no bojo desses princípios protetivos os direitos fundamentais previstos no art. 5º (igualdade, legalidade, direito aos cultos religiosos, à liberdade de pensamento, à intimidade, vida privada, honra e imagem, à inviolabilidade do domicílio e da correspondência, à locomoção, à liberdade de expressão e à propriedade), os direitos sociais preceituados no art. 6º (educação, saúde, trabalho, moradia, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade e à infância e a assistência aos desamparados), os direitos dos trabalhadores expressos no art. 7º, o direito de associação proclamado no art. 8º, o direito de greve previsto no art. 9º, e nos direitos políticos ordenados pelos arts. 14 a 16.

A contextualização de todos esses direitos num só conceito ainda não é tarefa pacífica entre os doutrinadores e estudiosos do direito. Para alguns, direitos humanos são os direitos do homem, direitos estes que visam resguardar os valores mais preciosos da pessoa humana, ou seja, direitos que visam resguardar a solidariedade, a igualdade, a fraternidade, a liberdade, a dignidade da pessoa humana. Para outros, direitos humanos ou direitos do homem são entendidos como aqueles direitos fundamentais que o homem possui pelo fato de ser homem, por sua própria natureza humana, pela dignidade que a ela é inerente, e que, por tal condicionamento, a sociedade política tem o dever de consagrar e garantir. Ou ainda, na lição abalizada de Alexandre de Moraes, “é o conjunto institucionalizado de direitos e garantias do ser humano que tem por finalidade básica o respeito a sua dignidade, por meio de sua proteção contra o arbítrio do poder estatal e o estabelecimento de condições mínimas de vida e desenvolvimento da personalidade humana”.

Numa conjunção dos conceitos propostos, e dentro do contexto específico objetivado neste artigo (dignidade e integridade da pessoa humana), teríamos sinteticamente que direitos humanos são aqueles direitos próprios da pessoa humana, que visam resguardar a sua integridade física e psicológica perante seus semelhantes e perante o Estado em geral, de forma a limitar os poderes das autoridades ou agentes estatais, garantindo, assim, os valores da dignidade, da liberdade, da igualdade e da solidariedade.

Neste sentido, ou seja, no resguardo da dignidade e da integridade física e psicológica das pessoas perante os atos das autoridades e das pessoas no exercício de poder e na proibição de qualquer espécie de discriminação é que reside, atualmente, a luta dos organismos estatais e das instituições civis pelo respeito à pessoa humana e na inibição de quaisquer ameaças aos bens maiores que constituem a sua vida.

A Comissão Nacional de Direitos Humanos da OAB, por exemplo, em atendimento ao disposto no art. 3º, I, da Resolução nº 006/2000, é competente para receber notícias e reclamações de violações de direitos humanos, procedendo sumária sindicância e entrevista dos interessados ou adotando quaisquer outros procedimentos adequados para a elucidação dos fatos. Por sua vez, a Seccional em Sergipe da OAB, através de sua Comissão de Direitos Humanos, assim que toma conhecimento da violação efetiva ou iminente desses direitos, é competente para proceder entendimentos com as autoridades públicas constituídas, bem como quaisquer outros procedimentos necessários à apuração dos fatos, visando ao restabelecimento e/ou à reparação do direito violado, ou à integridade do direito ameaçado; instaurar processos; inspecionar todo e qualquer local onde haja notícia de violação aos direitos humanos; enfim, defender, estimular e divulgar o respeito aos direitos humanos no estado.

A atuação desses organismos possui essencial legitimidade e razão de ser, pois somente instituições fortes podem combater violações de agentes de poderes estatais também fortes e que, pela aparência da impunidade, agem sem limitações. Por exemplo, a simples verificação da situação em que se encontram os presídios e as delegacias do estado já é suficiente para se ter a certeza de que há graves violações nos direitos dos presos. Estes também são objeto de direitos, e como tal a eles tem que ser assegurado o direito de cumprir suas penas em condições que não sejam desumanas, de ter suas integridades físicas não ameaçadas pelas doenças causadas pela insalubridade, pela proliferação de agentes nocivos e por todo tipo de precariedade nas instalações, além de outros fatores que a imprensa rotineiramente estampa. E o que os agentes públicos responsáveis fazem? Nada; simplesmente tentam explicar o inexplicável e tudo continua como dantes, confrontando as normas constitucionais. Daí a necessidade da ação dos organismos que lutam pela intransigente defesa dos direitos humanos.

Contudo, a violação dos direitos humanos em Sergipe não está somente no sistema penitenciário. Recentemente o Ministério Público passou a investigar o que motiva os policiais sergipanos, durante a atuação repressiva, a matar mais do que os agentes de outros estados. Começa a caracterizar-se, pois, um atentado aos princípios constitucionais. O abandono pelo poder público das famílias que perderam suas casas nas últimas enchentes; a falta de políticas que minimizem o problema dos menores que vivem pelas ruas cheirando cola e praticando pequenos furtos; a proliferação da violência em municípios como Itabaiana e Lagarto, além de inúmeros outros exemplos que poderiam ser citados, tudo isso demonstra a estatização daquilo que deveria ser combatido.

Assim, direitos humanos não são nem nunca foram defesa de infratores, acastelamento de ações violentas que receberam reações violentas ou pregação de que tudo pode ser feito porque todos têm o direito de agir como queiram. Em tudo há limitações, entre o normal e o abusivo. É contra o abusivo que todos se insurgem, que reclamam da violação da dignidade e da integridade da pessoa humana. É onde começa a prevalecer o entendimento da importância do respeito ao outro enquanto pessoa.

Advogado e poeta

Membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB/SE

e-mail: rangel_adv1@hotmail.com