Envelhecimento e Preconceito

ENVELHECIMENTO E PRECONCEITO

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Crysthoper Souza Faria[1]

Henrique Arantes Barbaresco[2]

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Marcelo Silva de Oliveira[3]

Não faz muito tempo percebia-se na forma de identificar as pessoas em relação à idade como crianças, jovens, adultos e velhos, sem subterfúgios, meias palavras, metáforas, ou eufemismos, principalmente em relação ao uso da expressão ou termo velho. No entanto, no tocante à forma de tratamento velho usada de forma direta tem sido trocada por outras expressões como adulto maduro, idoso, pessoa idosa, pessoa na meia-idade, maturidade, idade madura, maior idade, melhor idade, idade “legal” e, mais comumente, terceira idade.

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Não é raro encontrar homens e mulheres pertencentes a este grupo, categoria ou classe social tidos como velhos, maduros ou idosos, que demonstram horror ao serem chamadas de velhos, idosos, maduros ou da “terceira idade”, percebendo-se na fala de muitos destes bordões do tipo “velhice não existe”, “velhice é um estado de espírito”, “meu corpo é velho, mas meu espírito é jovem”, entre outros.

Assim, para não ferir suscetibilidades, vão aparecendo expressões e formas de tratamento para se referir ao envelhecimento e à velhice, formas estas que parecem ser alimentadas pelo preconceito em relação à velhice, pois “[...] na base da rejeição ou da exaltação da acrítica da velhice, existe uma forte associação entre esse evento do ciclo vital com a morte, a doença, o afastamento e a dependência. Essa associação atravessou os séculos e, mesmo hoje – quando são tantos os recursos para prevenir doenças e para retardar o envelhecimento –, muitos temem a velhice. Além disso, o envelhecimento e a velhice estão vinculados à idéia de incapacidade”[4].

Sabe-se que há uma ideologia com importante papel de influência entre as classes sociais, ideologia caracterizada por um conjunto de idéias em que as representações constituem-se em diferentes formas de cada classe ver o mundo, e que influencia nas disparidades dos valores entre essas classes, fazendo existir, logicamente, uma classe que impõe ou sobrepõe seus valores sobre as outras, sendo que num país capitalista como o Brasil, uma das suas características está no foco que à temática do trabalho e sua relação direta com a produção a curto e longo prazo, estimulando a competição de uns com os outros, característica prevista no Artigo 193 da Constituição Federal onde se lê que a “[...] ordem social tem como base o primado do trabalho”, o que leva a uma desvalorização da velhice que “[....] entra nessa relação de forma desgastada, pois, não só para a classe dominante, mas também para a dominada, o idoso está “velho”, não possuindo valor por não participar da vida economicamente ativa do país. A ideologia da retirada do idoso da força de trabalho, para o devido descanso, é, na verdade, uma camuflagem”[5].

Essa característica da sociedade brasileira também presente em outras sociedades que adotam o modo de vida capitalista acaba por fomentar o tratamento preconceituoso em relação à velhice, incutindo na maioria desses homens e mulheres a sua identificação com a idéia de que são incapazes, transformando uma conseqüência do ciclo vital em um estigma.

Um exemplo claro de que como isso acontece de forma ideologicamente natural pode ser observada nas diversas matérias jornalísticas veiculadas através de jornais e telejornais há anos, onde ministros de governo e especialistas em economia, quando se referem à situação da previdência social brasileira, sempre pontuam que ela está “quebrada”, apresenta um rombo bilionário, e os culpados são sempre os milhões de aposentados e aposentadas que pararam de produzir e agora vivem às custas do sistema previdenciário, onerando cada vez mais o órgão público criado em 1923.

O que chama a atenção neste fato sempre recorrente tem a ver com a disseminação da idéia, sempre nas entrelinhas, de que os idosos aposentados estão dando prejuízo ao país, levando-se à percepção de que a velhice é onerosa, causa prejuízos, é sinônimo de “rombos” milionários nos cofres do país, sendo útil sublinhar que a maioria desses aposentados recebe apenas um salário mínimo por mês, o que certamente não é suficiente para se garantir uma velhice tranqüila, fato que economistas e ministros de estado parecem ignorar, invertendo a lógica da previdência social, ou seja, “[...] a aposentadoria, então, é um direito adquirido pelo indivíduo de ser subvencionado pelo Estado; porém, ao invés de representar um caminho para retirar-se da correria competitiva e, conseqüentemente, desfrutar os próximos anos de vida com tranqüilidade ou mesmo um prêmio pelos tantos anos de trabalho, passa a ser um peso na vida do idoso, desencadeado rapidamente por um sentimento de inutilidade” [6].

É neste contexto de percepção da velhice como algo negativo, atrelada à idéia de incapacidade, de declínio, redundando numa realidade de desvalorização, de desmerecimento, de negativação da pessoa idosa, que surgem e prevalecem as expressões ou formas de referências à velhice e ao idoso que, ao soarem bem, acabam escondendo preconceitos, pois se essas “[...] palavras parecem assumir conotação negativa ou pejorativa, o problema não está nelas, mas nas razões pelas quais elas tiveram de seu significado modificado”[7].

Assim, nota-se um comportamento antagônico, conflitante, no seio das sociedades de modo de vida capitalista, inclusive a brasileira, onde o idoso é desvalorizado, reduzido à condição de incapaz mas, ao mesmo tempo, criam-se mecanismos, também na linguagem, para se esconder essa situação, mascarando preconceitos e agravando as condições de conhecimento do processo de envelhecimento, fazendo com que sua condição de curso normal do ciclo de vital de todo homem e mulher seja visto como algo penoso, indesejável, cruel, desnecessário e inútil, coexistindo então numa mesma sociedade ações diretas e objetivas que estigmatizam a velhice conflitando com ações de mascaramento desse comportamento, onde pessoas idosas perdem a sua dignidade, têm suas histórias de vida esquecidas, desmerecidas, são estereotipados, isto é, “[...] uma sociedade que estereotipa negativamente os idosos, na qual as discussões sobre velhice voltam-se sobretudo para o declínio de capacidade e para a deterioração psicofisiológica, acaba criando uma força capaz de destruir as crenças de auto-eficácia do indivíduo e de reduzir sua percepção de controle”[8].

Não é difícil encontrar ou identificar comportamentos sociais que estereotipam a velhice e o idoso, podendo-se exemplificar com alguns programas ou projetos de acompanhamento a idosos, onde cuidadores focam a imagem do “idoso gracinha”, que ainda consegue nadar, correr, dançar, entre outras atividades, numa atitude de infantilização de homens e mulheres já velhos, tornando-os atração, mas tirando-lhes toda condição de controle e auto-controle sobre suas vidas, pois, “[...] ajuda desnecessária e elogios quando o idoso desempenha tarefas corriqueiras e insignificantes podem produzir um sentimento de redução do controle. Por outro lado, incentivar ou permitir a tomada de decisões, deixar o idoso assumir responsabilidades, sem tentar fazer tudo por ele, resultam num aumento da percepção de controle” [9].

Neste sentido, para o enfrentamento dessas situações de preconceito em relação ao envelhecimento e à velhice, faz-se necessário apontar que a velhice existe sim, que a vida começa na concepção, no próprio ato da fecundação, e não aos 40, 50 ou 60 anos, pois nesta fase, ela continua, que envelhecimento é processo natural do ciclo vital que só é interrompido com a morte prematura, entre outros pontos.


[1] Concluinte do Curso de Educação Física do Instituto Luterano de Ensino Superior de Itumbiara, ILES-ULBRA.

[2] Concluinte do Curso de Educação Física do Instituto Luterano de Ensino Superior de Itumbiara, ILES-ULBRA.

[3] Concluinte do Curso de Educação Física do Instituto Luterano de Ensino Superior de Itumbiara, ILES-ULBRA.

[4] NERI, Anita Liberalesso; FREIRE, Sueli Aparecida. Apresentação: qual é a idade da velhice? In: NERI, Anita Liberalesso; FREIRE, Sueli Aparecida (orgs.) E por falar em boa velhice. Campinas-SP: Papirus, 2000. p. 8.

[5] SIMÕES, Regina. Corporeidade e terceira idade: a marginalização do corpo idoso. Prefácio de Wagner Wey Moreira. 3. ed. Piracicaba-SP: UNIMEP, 1998, p. 36.

[6] SIMÕES, Regina. Corporeidade e terceira idade: a marginalização do corpo idoso. Prefácio de Wagner Wey Moreira. 3. ed. Piracicaba-SP: UNIMEP, 1998, p. 39.

[7] NERI, Anita Liberalesso; FREIRE, Sueli Aparecida. Apresentação: qual é a idade da velhice? In: NERI, Anita Liberalesso; FREIRE, Sueli Aparecida (orgs.) E por falar em boa velhice. Campinas-SP: Papirus, 2000. p. 14.

[8] GOLDSTEIN, Lucila L. No comando da própria vida: a importância de crenças e comportamentos de controle para o bem-estar da velhice. In: NERI, Anita Liberalesso; FREIRE, Sueli Aparecida (orgs.) E por falar em boa velhice. Campinas-SP: Papirus, 2000. p. 61.

[9] GOLDSTEIN, Lucila L. No comando da própria vida: a importância de crenças e comportamentos de controle para o bem-estar da velhice. In: NERI, Anita Liberalesso; FREIRE, Sueli Aparecida (orgs.) E por falar em boa velhice. Campinas-SP: Papirus, 2000. p. 61.