Ferdinand de Saussure e a Linguística

Marcos da Silva Ramos[1]

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RESUMO

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Este Artigo apresenta e aponta para a concepção da lingüística moderna, cuja paternidade se atribui a Ferdinand de Saussure que foi fidelíssimo aos seus princípios básicos e que chegou a apresentar inicialmente a ciência como uma “linguística do sistema”, ou, uma “linguística da “langue””, em seus próprios termos pessoais. Em termos própria e distintamente linguísticos, isto significa descrever, num determinado estádio da língua (isto é, sincronicamente), as unidades pertencentes aos diversos níveis da língua (fonemas, morfemas, etc.), sua posição no sistema e as suas regras combinatórias. Foi essa a razão pela qual, durante o estruturalismo (corrente lingüística fundamentada nos preceitos de Saussure e de seus seguidores), a fonologia e a morfologia, via de exemplo, tiveram grande desenvolvimento.

Palavras-Chave: Linguagem. Língua. Fala. Linguística Saussuriana.

ABSTRACT

This article presents and points to the design of modern linguistics, whose paternity is attributed to Ferdinand de Saussure was very faithful to its basic principles, which initially came to present science as a “linguistic system” or a “linguistic” ‘langue’, in their own personal terms. In terms of its own and distinct language, this means describing, in a certain stage of language (ie synchronously), the units belonging to different levels of language (phonemes, morphemes, etc..), its position in the system and its combinatory rules. That was the reason for structuralism (linguistics chain founded on the precepts of Saussure and his followers), phonology and morphology, for example, had great development.

Key-words: Language. Language. Speech. Saussurean linguistics

1 INTRODUÇÃO

A influência de Ferdinand de Saussure[2] decorre generalizadamente, especialmente, do Curso de linguística geral, o CLG, livro póstumo organizado por dois de seus amigos, a partir de três cursos ministrados por ele na Universidade de Genebra. Antes de tudo, a chamada de atenção será para três pontos que normalmente causam muitos mal-entendidos, quando o assunto que está em pauta é Saussure, a fundação da linguística e o papel que teve para o nascimento e apogeu da linguística, na sua versão estruturalista. O primeiro ponto diz respeito às condições de aparecimento do livro.

É em grande parte dos estudos sobre este tema, que se ouve dizer que foram os alunos de Saussure que o escreveram. Isso deve ser relativizado. Albert Sechehaye e Charles Bally não assistiram integralmente os cursos de Saussure e dizem isso no prefácio que fazem à obra do tal: “[...] obrigações profissionais nos haviam impedido quase completamente de nos aproveitarmos de seus [de Saussure] derradeiros ensinamentos [...]” (Bally; Sechehaye, Prefácio à primeira edição, p. 2). Disso decorre uma óbvia constatação: o livro foi organizado por pessoas que não ouviram as aulas do mestre e que se basearam tão somente nas notas dos cadernos dos alunos de Saussure. A leitura que se faz do CLG deve levar esse dado em consideração.

Segundo ponto, esse já mais relevante e premente: Saussure não utilizou a palavra estrutura e, interessante que o CLG é fiel a isso. Certamente que a teoria saussuriana foi determinante para a instauração do estruturalismo, mas o termo utilizado por Saussure foi mesmo sistema. A palavra estrutura veio a ser usada apenas no final da década seguinte, mais especificamente, nas teses formuladas no Congresso Internacional de Linguística de Haia pelos lingüistas: Roman Jakobson e Nicolas Troubetzkoy.

Terceiro ponto: o pensamento de Ferdinand de Saussure é normalmente associado a uma série de dicotomias: significante, significado; paradigma, sintagma, diacronia, sincronia; e a mais famosa: língua e fala. Eis aqui o nosso objeto de análise neste artigo.

2 Ferdinand de Saussure e a estrutura PRÓPRIA da “ciência”

A leitura atenta do CLG permite dizer que Saussure parece não ter tomado essas dicotomias como dicotomias estritas. Ao contrário, tudo indica que Saussure insistiu num terceiro elemento, mediador da relação binária.

Desse ponto de vista, podemos considerar que ele explicitou relações que facilmente seriam aprovadas aos olhos dos dialéticos. Vejamos: para a dicotomia significante/significado, há o signo; para relações sintagmáticas/relações associativas, há o sistema; para diacronia/sincronia, há a pancronia; para língua/fala, há a linguagem. Tudo isso supervisionado por um grande terceiro, o valor: o conceito que sustenta a arquitetura teórica. Ligado ao conceito de valor está o de pura diferença, uma diferença que não supõe substancialização. A idéia de pura diferença, que levou Saussure a falar em pura negação, assim: o princípio da arbitrariedade do signo e a teoria do valor, são, em linhas gerais, os pilares de uma teoria que supõe a desubstancialização da língua e a recusa de uma explicação causal que preexista à própria língua. Assim, a linguística chega ao século XXI.

2.2 Linguagem, língua e fala na teoria Saussuriana

Os dois aspectos que fundamentaram e definiram a linguagem na teoria saussuriana – o de língua e o de fala – foram produtivos, embora tenham sido reinterpretados, modificados e alargados em toda a linguística de nosso tempo.

Na teoria saussuriana – ao menos na versão dada no Curso de linguística geral (CLG) – há uma importante distinção entre objeto e matéria da linguística (cf. capítulos ii e iii da Introdução do CLG). A matéria é o dado empírico, compreendendo fatos fisiológicos, psíquicos, sociológicos, instituídos por uma coletividade. Os fenômenos que constituem a matéria da linguística são muito diversos, o que torna impossível a construção de uma ciência porque, ao se escolher um aspecto, o linguísta corre o risco ou de ser parcial, ou de deformar a realidade, compartimentando-a, isolando fenômenos que talvez não pudessem ser entendidos separadamente. Para evitar essa dificuldade, Saussure optou por um objeto – a língua como sistema de signos – que não é uma parte do dado, mas que representa um aspecto privilegiado dos fenômenos.

A proposta de Saussure de ver na língua o objeto da Linguística decorre da constatação de que a linguagem é um aglomerado confuso de coisas heteróclitas que, além de poder ser analisado linguisticamente de diferentes ângulos, está “a cavaleiro de diferentes domínios”, tais como a Psicologia, a Antropologia, a Gramática Normativa, a Filologia e etc.

A percepção de que a linguagem é um todo multiforme aliada à preocupação em construir os princípios da ciência linguística – que necessitava definir um objeto único e autônomo para análise – fizeram com que o conceito de língua se tornasse o ponto de partida das reflexões saussurianas contidas no CLG.

Vários argumentos apoiam, no CLG, esse ponto de vista de criação do objeto da linguística: a língua tem efinição autônoma, é vista como sistema, é norma para todas as manifestações da linguagem, portanto, pode ser estudada cientificamente. A língua é só uma parte da linguagem, é seu produto social e, como tal, é compartilhada pela comunidade de fala por meio de um contrato que se estabelece entre seus membros; é o produto que o indivíduo registra passivamente por aprendizagem, é de natureza concreta.

A fala – o outro aspecto da linguagem – é a utilização da língua, sua parte individual, de caráter criador e livre. É o acessório, o acidental da linguagem.

Assim sendo, a fala não pode ser o objeto próprio da Linguística, que deve se ocupar do estável, do geral, isto é, da língua, porque esta é homogênea, porque faz a unidade da linguagem. A fala se subordina à língua. A língua pode ser estudada separadamente, mas língua e fala são estreitamente relacionadas: a língua é necessária para a fala inteligível, e a fala é necessária para o estudo da língua. A fala vem antes, faz evoluir a língua. Há interdependência entre elas. Mas não se poderia reunir, sob o mesmo ponto de vista a língua e a fala, explica Saussure, para quem o estudo de cada uma implica uma linguística própria.

As relações entre língua e fala também permitiram a Ferdinand de Saussure se ocupar da relação entre o campo da linguística e o da exterioridade. Quanto a “Linguística da língua e linguística da fala”, Saussure afirma que “Com outorgar à ciência da língua seu verdadeiro lugar no conjunto do estudo da linguagem, situamos ao mesmo tempo toda a Linguística” (CLG, p. 26).2 E continua: “Todos os outros elementos da linguagem, que constituem a fala, vêm por si mesmos subordinar-se a esta primeira ciência e é graças a tal subordinação que todas as partes da Linguística encontram seu lugar natural” (CLG, p. 26). Para ele, “[...] a língua pode ser comparada a uma sinfonia, cuja realidade independe da maneira por que é executada; os erros que podem cometer os músicos que a executam não compromete em nada tal realidade” (CLG, p. 26). Saussure considera que a atividade de quem fala deve ser estudada num conjunto de disciplinas que somente têm lugar na linguística pela relação que mantêm com a língua. Por isso, o estudo da linguagem é dividido em duas partes: a primeira, cujo objeto é a língua; a segunda, cujo objeto é a parte individual, a fala. Conforme Saussure, “Cumpre escolher entre dois caminhos impossíveis de trilhar ao mesmo tempo; devem ser seguidos separadamente” (CLG, p. 28). Desse prisma, continua Saussure, a definição de língua implica a eliminação de tudo o que seja estranho ao sistema, ou seja, tudo o que pertence ao que ele chamará, no capítulo seguinte, “Elementos internos e elementos externos da língua”, de a linguística externa. E, quanto a isso, Saussure não foi ingênuo. O CLG registra que ele tinha presentes, para si, de maneira muito clara, as grandes questões que rondavam (e ainda rondam?) a instauração da linguística como ciência. Se podemos considerar que, de um lado, com a determinação da língua como objeto da linguística, Ferdinand de Saussure parece estabelecer um objeto tangível e regular; de outro lado, não se ignora que Saussure não desconhece que a fala, ou aquilo que não cabe na definição de língua, problematiza a regularidade do objeto construído.

É isso que está exposto em várias passagens do CLG. Daremos apenas um exemplo – no capítulo iii da Segunda parte, “Identidade, realidade, valores”,

Saussure diz: Quando, numa conferência, ouvimos repetir diversas vezes a palavra Senhores! temos o sentimento de que se trata, toda vez, da mesma expressão, e, no entanto, as variações do volume de sopro e da entonação a apresentam,  nas diversas passagens, com diferenças fônicas assaz apreciáveis quanto as que servem, aliás, para distinguir palavras diferentes (cf. fr. pomme, “maçã”, e paume, “palma”, goutte, “gota” e je goute, “eu gosto”, fuir, “fugir”, e fouir, “cavar” etc.); ademais, esse sentimento de identidade persiste, se bem que  do ponto de vista semântico não haja tampouco identidade absoluta entre um Senhores! e outro [...] (CLG, pp. 125-26)

Não sem motivo, essa passagem encontra-se em uma parte do CLG na qual Saussure se esforça para estabelecer parâmetros de identificação da unidade de análise da linguística. Ferdinand de Saussure defronta-se aí com um fato fundamental: falamos a mesma língua, mas há algo nela que é específico de quem a fala, logo, irrepetível porque ligado ao tempo da fala.

Para tratar disso, Saussure nomeia uma linguística da fala que é diferente da linguística da língua. Ao se ocupar da relação entre o campo da linguística e o da exterioridade, no CLG, Saussure impõe a escolha ou do caminho da língua, ou do caminho da fala. Essa necessidade de escolha, porém, não impede Saussure de admitir a importância dos estudos da fala.

Considerações finais

A lingüística saussuriana, desde o seu surgimento, tem sido reconhecida por definir, a partir de método e conceitos, o objeto de estudo da ciência da linguagem, a saber, a língua. No esforço de delinear esse objeto, essa teorização afastou de seu enfoque as questões concernentes à fala e, conseqüentemente, ao sujeito falante.

Restou a esse sujeito a posição de senhor da parte executiva da linguagem e, enquanto tal, não poderia interferir com sua vontade nas relações do âmbito da língua. Dessa forma, aquilo que é da ordem própria da língua só diria respeito ao sujeito falante a medida em que esse sujeito é receptáculo passivo do sistema linguístico.

Todavia, apesar da dicotomia língua e fala ter sido necessária para o estabelecimento da linguística moderna, afirmar que Saussure proclamou a morte do sujeito não seria a posição mais adequada, haja vista que a sua teoria, a todo o momento, se vê interrogada pela presença do sujeito falante.

Esse sujeito é aquele que percebe e que, através da orelha, decide sobre semelhanças, identidades e diferenças de percepções, ou seja, que analisa o material lingüístico posto a sua disposição. Esse sujeito, portanto, não é apenas uma figura decorativa posta no circuito de fala, mas é aquele que percebe as relações diferencias existentes no sistema lingüístico.

REFERÊNCIAS

BOUQUET, S. (1997). Introdução à leitura de Saussure. São Paulo: Cultrix, 2000.

PARRET, H. Réflexions saussuriennes sur le temps et le moi. Cahiers Ferdinand de Saussure, vol.

49, 1995-1996, p. 85-119.

_____________ (1916). Curso de Lingüística Geral. 23ª ed. BALLY, C.; SECHEYAHE, A. (orgs.)

Trad. A. Chelini, J. P. Paes e I. Blikstein. São Paulo: Cultrix, 2001 [1916].

____________ (2002). Escritos de Lingüística Geral. BOUQUET, S.; ENGLER, R. (orgs.). São

Paulo: Cultrix, 2004.

SILVEIRA, E. M. As marcas do movimento de Saussure na fundação da Lingüística. Tese

(Doutorado em Linguística), Universidade Estadual de Campinas, 2003.

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http://blog.cybershark.net/miguel/2009/02/10/metodo-historico-comparativo-em-saussure-origem-da-linguistica-e-distincao-entre-diacronia-e-sincronia/ - capturado em 5-11-2010.

http://biblioteca.universia.net/html_bura/ficha/params/id/3898999.html - capturado em 5-11-2010.


[1] Formado em Teologia e Missiologia Bíblica pelo Seminário Teológico Evangélico Betel Brasileiro (I.B.B.B.), João Pessoa, PB, entre os anos de 2000-2003; graduado pela Universidade Estadual Vale do Acaraú (2010). Tem experiência na área de Letras, com ênfase em Língua Portuguesa e é aluno de Especialização em Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa (Pós-graduação: “Lato-sensu”) pela Universidade Aberta Vida (UNAVIDA) filiada a Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA-CE) com extensão em João Pessoa, PB. Curriculum Lattes: http://lattes.cnpq.br/0929202570933337

[2] Ferdinand de Saussure (Genebra, 26 de novembro de 1857 - Morges, 22 de fevereiro de 1913) era suíço e lecionou Lingüística Geral na Universidade de Paris e de Genebra por mais de 20 anos. Seus conceitos foram proferidos em aula, e três anos após a sua morte (em 1916), dois de seus alunos (Bally e Sechehaye) publicaram “Curso de Lingüística Geral”. Apesar da importância de Saussure para a lingüística, ele e suas teorias foram muito criticadas.